“A Era dos Samurais” é a surpreendente (e violenta) série histórica da Netflix

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ANetflix continua a diversificar-se. Há projetos da plataforma que sabemos à partida que vão ser um sucesso. Outros fogem ao padrão e, no entanto, reservam o seu lugar de destaque. “A Era dos Samurais” é um destes casos. Estreada em 24 de fevereiro, tem reservado por estes dias lugar no top 10 das tendências da plataforma (e não só em Portugal).

1551. “O Japão está um caos.” É assim que tudo nos é apresentado, num tempo de guerra civil, anarquia, e lutas bem violentas entre senhores da guerra rivais. Na pequena província de Owari, o clã Oda perde o seu líder e quem assume a liderança é Nobunaga, o filho mais velho do líder, errático, mal educado, que vai marcar a história do Japão nos séculos seguintes.

Este era um tempo em que as lutas pelo poder abriam caminho a rivalidades fratricidas. Os homicídios em família eram comuns. “Pais matavam filhos, filhos matavam pais, irmãos matavam irmãos”, introduz um dos historiadores.

Nobunaga é mal amado entre os seus, muito por culpa própria. Ao ponto de planearem matá-lo. Avisado dos planos do irmão mais novo, este adorado por todos, Nobunaga apanha-o e executa-o, decapitando a cabeça do irmão mais novo. Foi o primeiro de várias decisões tão brutais quanto estratégicas que vão moldar o futuro do país.

Em 1453, um navio português vindo de Macau foi atingido por uma tempestade e naufragou na pequena ilha de Tanegashima, na costa sul do Japão. Era pouco provável que o destino daquele navio português fosse o Japão mas o destino ditou ali o seu fim (e os destroços desaguaram em território japonês). Entre a carga perdida, havia arcabuz e armas de fogo que fizeram parte dos planos de expansão portuguesa.

Um século após o naufrágio luso, Nobunaga percebe que pode fazer a diferença. Compra armas de fogo e não só. Decide treinar e armar camponeses. E mostra ainda ter um olho clínico para surpreender inimigos. É assim que de líder de um simples clã se torna um dos senhores de guerra mais temidos do Japão.

Uma história de violência.

Há mil anos, o termo samurai era associado a servo. Estes guerreiros temidos foram ganhando cada vez mais estatuto ao longo dos séculos. A série coloca-nos já num tempo em que estes são preponderantes para definir os destinos do Japão. Pelo meio, vamos sendo educados em incríveis e bastante violentos rituais.

É o caso do suicídio por honra, o seppuku, em que um homem se trespassa a si próprio e se esventra. Há também um macabro ritual em que as cabeças decepadas de derrotados eram exibidas, limpas e maquilhadas, a senhores da guerra vencedores. Era um misto de humilhação mas também reconhecimento de quem haviam derrotado.

A série documental em seis partes apresenta-nos reconstituições de batalhas e traições com atores japoneses, interpretadas na língua do país, acompanhadas pelo contexto de historiadores, a maioria deles em inglês.

Matthew Booi, criador do projeto, explicava numa recente entrevista ao “Screenrant” que isto não era um mero detalhe. “Fomos buscar ótimos atores japoneses para papéis essenciais. Sabíamos que íamos estragar as coisas, se na primeira cena em que alguém falasse, ouvíssemos inglês.” O trabalho de casting foi também dedicado na hora de juntar credibilidade e emoção narrativa. Falaram com especialistas de todo o mundo para acertar não só detalhes, mas para que não fosse preciso ligar tudo com narrador. Os historiadores dão o contexto e entretanto somos brindados com cenas de intriga e violência.

“A cronologia é aborrecida”, explica Matthew Booi. “O que dá entretenimento é ter protagonistas concretos, à procura de alcançar objetivos.” É por essa razão que a série centra as suas atenções em Nobunaga, mas também em Hideyoshi e Ieyasu. São três homens de passados diferentes cuja história iremos acompanhar e que foram fulcrais em mudar a vida política e social do Japão nos séculos seguintes.

Entre os códigos de honra, a violência e o lado cénico, há algo de fascinante neste Japão feudal. O cinema de Akira Kurosawa já mostrara isso a todo o mundo. Aqui o foco é na história mas há o cuidado na gestão do orçamento. As armaduras variam, as armas idem, tudo isto em reconstituições de batalhas em que os efeitos especiais são cuidados.

Foram tempos violentos os que o Japão viveu mas a história dos samurais é algo que ainda hoje alimenta lendas e narrativas. Agora podemos ter um olhar mais profundo sobre o que aconteceu numa produção que procura juntar retrato histórico e ritmo de narrativa. Percebe-se assim porque é que este “A Era dos Samurais” tem sido uma boa surpresa.

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