Com nomes marcados em móveis, sobraram só 5 japoneses no Jamic

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Com nomes marcados em móveis, sobraram só 5 japoneses no Jamic

Se as paredes da Casa de Estudante Jamic falassem, diriam que muita coisa mudou em quase 40 anos. A rua de terra batida que ali chegava ao fim virou corredor urbano de trânsito sem fim. Criança não habita mais o prédio. E morador japonês então? De 60 caiu para 5. Apesar disso, as marcas, os móveis, a sensação de passado que lá continua presente realça a origem nipônica. E as paredes? Agradecem arigat? pelo tempo resistido.

Ao chegar, o tapete gasto pelo tempo indica o nome do lugar, assim como a marquise no acesso principal. No hall de entrada, uma inscrição aconselha: “tenha esforço próprio / trabalhe / busque família / dê o exemplo”. É o cumprimento que a reportagem recebeu antes de entrar o prédio.

Tapete rasgado mostra o tempo que já se passou (Foto: Paulo Francis)

À esquerda, fica a salinha que até hoje serve como a administração do local. Lá dentro, uma estante com livros e mais livros, nenhum escrito em português. Os móveis continuam os mesmos. A surpresa foi encontrar um arquivo que desde 1982 – ano de inauguração do Jamic – guarda as fichas cadastrais feitas à mão de todos aqueles, homens e mulheres, que um dia já habitaram a casa.

Arquivo contém nomes de praticamente todos os ex-moradores do Jamic (Foto: Paulo Francis)

Do outro lado, um corredor dá acesso ao refeitório que hoje se encontra uma sala ampla, com mesa de jantar, sofá e televisão. À esquerda, onde fica a copa em tons de azul, não tem mais cozinheira no preparo do sustento do dia. O jeito prático é cada um pedir seu marmitex. Mas ao fundo dá pra ver não só uma, mas duas panelas elétricas de arroz – herança japonesa no preparo de um alimento tão brasileiro.

Cozinha pode até ser azul, mas o arroz é branquinho mesmo. Observe bem no fundo, ao centro, as duas panelas elétricas próprias para o cozimento do famoso “soltinho” (Foto: Paulo Francis)

No andar de cima é onde ficam os dormitórios. O que restou? Fora os poucos moradores, em cada quarto há beliches em madeira maciça que comprovam durabilidade. Ainda, marcas dentro dos armários indicam que alguém esteve por ali. É possível ver a data do ano de 94/95 junto ao nome Taro. Algum leitor por aí conhece?


Se você souber quem é o tal Taro, que entre 94/95 residiu na república, não deixe de avisar o jornal (Foto: Paulo Francis)

Bem, a reportagem aproveitou o passeio e conversou com quem ainda dá uso à república. Em um dos quartos, encontramos o mais antigo (e mais velho) morador que também é filho de pais da colônia e Associação Esportiva e Cultural Nipo-Brasileira Várzea Grande, isso lá em Terenos – a qual é dirigente do espaço.

Suzue é um dos últimos filhos de japonês que ainda mora no local (Foto: Paulo Francis)

Por outro lado, essa facilidade do endereço não é a única vantagem. “Quem vive aqui vai cultivando boas amizades. O espírito é de comunidade mesmo, somos uma família”. Atualmente, são 11 moradores – o que um dia já fora 60. É claro, nem todos japoneses. Novos tempos, novos residentes.

É o caso do “ocidental” Crystian Proença. “Praticamente ‘nasci’ no Japão. Meu avô era budista, então sempre tive essa laço com a cultura nipônica. Foi uma matéria do Campo Grande News falando sobre o Jamic, fora o preço convidativo do aluguel, que vim parar aqui”, ressaltou.


Segundo os moradores, viver no Jamic é estar em comunidade (Foto: Paulo Francis)

Isso já tem 5 anos, pagando o valor de R$ 500 pelo seu quarto que fica em uma região tão valorizada da Capital. E o rapaz garante que em tempos de outrora já foi mais barato ainda.

“A pandemia pegou todo mundo de calça curta, mas mesmo assim continuamos aqui, segurando as pontas. Apesar dessas dificuldades – covid, falta de grana e até atraso no aluguel – aqui não é um “negócio”, mas nossa comunidade. É muito bom viver por aqui”.

Hoje, o aluguel sai por R$ 500, e é acertado em “acordo de camaradas” na salinha do administrativo (Foto: Paulo Francis)

Nostalgia – Essa é a palavra ao adentrar o ambiente da Casa de Estudantes. A reportagem gosta rememorar o passado, e a gente sabe que você também. Então que tal um tour de como era o cotidiano nipônico pelos corredores orientais dessa comunidade em Campo Grande? O guia da vez é Roberto Akira, 52 anos, que esteve entre os alunos da primeira leva na república.

“Bem, no início do funcionamento do Jamic tinha um casal de governantes, senhor e senhora Yabusame. Ele era o diretor-professor, cuidava da parte administrativa, enquanto ela tomava conta dos afazeres domésticos. O certo era morar 60 estudantes, 4 pessoas por quarto. Porém, já teve época de sermos em 70. A casa recebia gente das comunidades nikkei espalhadas por todo o Estado – Dois Irmãos, Dourados, Terenos.

Plaquinha com o nome da pessoa indica – na cor azul – quando ela está presente ou – na cor vermelha – quando estiver ausente do recinto (Foto: Paulo Francis)

A república era dividida em duas aulas, feminina à esquerda e masculina à direita. De segunda à sexta, todo mundo acordava às 5 horas ao som do altofalante do sr. Yabusame. “Chegada a hora de levantar e começar mais um dia”. Primeira coisa, uma rotina de ginástica e alongamento. Em seguida, tomávamos o café da manhã e cada um tomava o rumo para sua escola. Íamos à pé, todas eram próximas.

Na volta, por volta das 11h, almoçávamos todos juntos no refeitório, com uma boa comida caseira. O descanso era curto, porque já às 13h tínhamos aula de língua japonesa com o diretor – que hoje virou um depósito.

A máquina de roupas pode até ser moderna, mas os tanques são originais (Foto: Paulo Francis)

O dia a dia também incluía que cada um cuidasse do ambiente comunitário, dos quartos e que lavasse sua própria roupa nos tanques expostos no fundo do terreno. Isso, somente se você aqueles que morassem longe dos pais. Quem tinha família próxima de Campo Grande, fazia a visita aos finais de semana”.

Se pudesse resumir meus bons tempos

de estudante no Jamic, eu diria:

viver ali era viver tranquilo.

“Viver no Jamic é viver em tranquilidade” (Foto: Paulo Francis)

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