Um soldado japonês para quem a Segunda Guerra não acabou

0
83
Um soldado japonês para quem a Segunda Guerra não acabou

Estreia em Cannes, “Onoda” aborda o caso real de um militar que viveu quase 30 anos na selva das Filipinas, incapaz de aceitar que seu país perdera a guerra. Retorno final ao Japão só veio após uma temporada no Brasil.

O filme Onoda: 10.000 nights in the jungle (Onoda: 10 mil anos na selva), sobre um soldado japonês que permaneceu na selva das Filipinas 29 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, estreou nesta quarta-feira (07/07) no Festival de Cinema de Cannes. Como antecipado, está recebendo críticas entusiásticas, e deverá ser lançado no Japão nos próximos meses – embora não se espere que vá despertar tanto interesse lá quanto no exterior.

A produção internacional escrita e dirigida pelo francês Arthur Harari aborda a saga de Hiroo Onoda, um segundo-tenente do Exército Imperial do Japão, treinado como oficial de inteligência antes de ser enviado à ilha de Lubang, em dezembro de 1944.

Ciente de que a guerra estava virando em favor dos Aliados, seu superior lhe ordena que resista à iminente invasão americana: sob nenhuma circunstância Onoda deve se render ou se suicidar. E este leva essas ordens absolutamente ao pé da letra.

Tenente japonês Hiroo Onoda

Hiroo Onoda levou ao pé da letra as ordens de não abandonar o posto – nem se suicidar

Exemplo de lealdade ao imperador

Os defensores japoneses foram dizimados poucos dias após a invasão pelos Estados Unidos, em fevereiro de 1945. Onoda e um pequeno grupo de sobreviventes fogem para as colinas. Nos meses após a capitulação de seu país, os quatro combatentes restantes decidem que cada panfleto lançado por sobre as montanhas, exigindo que os soldados retardatários se rendam, é uma falsificação.

Um dos homens acaba se entregando às forças filipinas em 1950. Dois anos mais tarde, voltam a ser espalhadas cartas pela selva, instando-os a se renderem. Depois que seus companheiros são abatidos em choques com tropas de busca, Onoda segue sozinho a partir de 1959.

Será preciso seu comandante, o major Yoshimi Taniguchi, viajar a Lubang, em 9 de março de 1974, e lhe ordenar que cesse as operações imediatamente. Só aí o tenente entregou seu fuzil, juntamente com 500 cargas de munição, granadas de mão e uma faca. Embora ele e seus companheiros tenham matado 30 indivíduos em seus anos de guerrilha, ele é indultado pelo então presidente da Filipinas, Ferdinand Marcos.

Japão, Brasil e depois de volta

De volta ao Japão, Onoda tornou-se uma sensação, sendo ostentado como exemplo dos extremos a que soldados leais são capazes de ir em nome do imperador. No entanto, decepcionou-se com o país a que retornara após quase três décadas, queixando-se de que os valores tradicionais haviam desaparecido.

Ele escreveu um livro sobre suas experiências, antes de emigrar para o Brasil para criar gado. Cinco anos depois, regressou ao Japão, onde fundou uma escola ao ar livre para jovens.

“Eu estava no ginásio quando Onoda voltou ao Japão, e me lembro bem”, comentou à DW Yoichi Shimada, professor de Relações Internacionais da Universidade de Fukui. “A coisa que me impressionou mais foi como ele era ereto, olhava a gente direto no olho, parecia um homem com as qualidades de um soldado, e isso causava admiração.”

Dezenas de retardatários japoneses permaneceram nas regiões mais remotas da Ásia-Pacífico, nos anos após a guerra. Outro deles foi o sargento Shoichi Yokoi, que finalmente se rendeu em janeiro de 1972, na ilha pacífica de Guam. O último militar a confirmadamente entregar as armas foii Teruo Nakamura, na ilha indonésia de Morotai, em 18 dezembro de 1974.

Ao contrário de Onoda, Yokoi chorou ao dar uma coletiva de imprensa. “Não é próprio de um soldado japonês chorar em público”, critica Shimada. “Ele era fraco demais, mentalmente, e o povo ficou feliz de ver que Onoda havia resistido às provas de quase 30 anos sem quebrar. Seu espírito e seus princípios me impressionaram.” Hiroo Onoda morreu em 2014, aos 91 anos.

Japanischer Soldat Hiroo Onoda

Onoda só se rendeu em 1974, sob ordens de seu antigo comandante

Elogio da masculinidade

Onoda, de Harari, é uma coprodução de firmas do Japão, Alemanha, França, Bélgica e Itália. O ator japonês Yuya Endo representa o soldado quando jovem, enquanto Kanji Tsuda assume o papel nos últimos anos de sua vida.

A crítica de cinema Kaori Shoji, do Japan Times, acredita que o filme atrairá grande atenção: “Acho que o Japão esteve fora do radar por alguns anos, e agora todo mundo está novamente de olhos em nós, por causa dos Jogos Olímpicos de Tóquio e da crise do coronavírus.”

“Um filme como esse – mostrando a guerra, as experiências desse homem solitário e a recepção que ele teve ao finalmente voltar para o Japão – vai certamente agradar muitos. É exótico, tem elementos exclusivamente japoneses, e acho que, numa época em que masculinidade saiu um pouco da moda, a masculinidade e bravura de Onoda vão se destacar.”

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui