Durante a pandemia, a taxa de suicídio no Japão teve a primeira alta em 11 anos. Ao todo, foram registrados cerca de 21 mil suicídios em 2020, sendo as mulheres e estudantes abaixo de 18 anos as principais vítimas, informam dados do governo japonês divulgados pela revista Nikkei Asia.
O governo local informou que realizará um censo para identificar e ajudar as pessoas que se sentem sozinhas. Pesquisas indicam que pessoas jovens se sentem mais solitárias que pessoas mais velhas. Os números chocam por serem muito maiores que o número de mortos pela covid no país, cerca de 3.500 em 2020.
A preocupação com a saúde mental da população levou o governo daquele país a criar um Ministério da Solidão, responsável por criar campanhas e políticas públicas voltadas aos cuidados com a saúde mental e prevenção do suicídio. O órgão também se responsabiliza pelos cuidados voltados às pessoas que vivem sozinhas. Designado pelo primeiro-ministro japonês, Tetsushi Sakamoto assumiu o cargo.
O Reino Unido já havia criado, em janeiro de 2018, esse organismo de estado para criar políticas públicas contra o que chamam de “epidemia silenciosa”. Naquele país, a solidão está associada a problemas como a demência, mortalidade prematura e pressão sanguínea alta e atinge principalmente idosos. No Japão, há um aspecto cultural anterior à pandemia que valoriza a solidão, vista sob uma ótica de autonomia e independência.
Os efeitos da pandemia, como o desemprego e o isolamento social, impactaram diretamente a saúde mental dos japoneses. Fora isso, muitos perderam entes queridos nesse período. Quem explica é o psiquiatra Rodrigo Fonseca Martins Leite, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Ele observa que na pandemia se observaram sintomas psiquiátricos de forma geral, como alterações no sono, no humor, no apetite, fadiga, somatizações, aumento no consumo de álcool e outras substâncias. Segundo ele, ainda não houve tempo para isso se tornar transtornos mais graves. No entanto, ele acredita que no médio prazo, com o agravamento da crise econômica e social, vai ser a “tempestade perfeita” para uma piora da saúde mental das populações.
Ainda há o agravante das pessoas que já tinham transtornos mentais anteriormente. Especialmente no caso de populações mais vulneráveis economicamente, o sofrimento será maior com a desassistência, a saturação dos sistemas de saúde e redirecionamento do sistema de saúde para a abordagem da covid. Fora aspectos físicos dessas pessoas que são negligenciados e reduz sua expectativa de vida em relação ao restante da população.
“Por conta de uma série de fatores e, certamente, no contexto da pandemia, houve um descuido geral da saúde de toda a população japonesa.”
Conforme o psiquiatra, o aumento dos suicídios no Japão entre as mulheres e estudantes pode ser decorrente da alta taxa de desemprego, da crise econômica, do machismo estrutural do país e dos altos níveis de exigência. Apesar de serem já presentes na sociedade japonesa, esses fatores foram ampliados durante a pandemia.
“É possível inferir algumas razões, principalmente a questão do desemprego, das dificuldades econômicas e do alto nível de exigência da sociedade japonesa, além do caráter patriarcal e machista da cultura japonesa”, afirma o psiquiatra.
Martins Leite acredita que a saúde mental precisa ser vista como um assunto de Estado. Políticas públicas para cuidar dos impactos psíquicos em populações vulneráveis são essenciais para garantir a qualidade de vida da população. A criação do Ministério da Solidão no Japão demonstra a estratégia e o cuidado com a problemática, entendendo a solidão como um dos fatores de risco para desenvolvimento de transtornos mentais e para o suicídio.
O Brasil carece de políticas consistentes de prevenção ao suicídio que leve em conta as peculiaridades das subpopulações vulneráveis. “No Brasil, falta uma política consistente de prevenção ao suicídio que tenha um caráter capaz de observar as peculiaridades das subpopulações vulneráveis, como indígenas, pessoas negras, pessoas em situação de rua, idosos, população carcerária, pessoas com deficiência, transexuais”, finaliza o especialista.