É muito bonito ver como famílias se constroem em torno de um ofício. São gerações e mais gerações que levam adiante a profissão de seus antepassados, criando um ciclo virtuoso que dá sentido a existência dos membros, bem como imprime uma identidade neles.
Identidade que proporcionou uma família inteira registrar a história de Campo Grande. Estamos falando dos Katayama, família de imigrantes japoneses que fizeram da fotografia o ganha-pão no começo do século passado na Capital e, com isso, deixaram um legado incontestável.
Essa história é contada pelas lembranças de Sergio Mendes Katayama, também fotógrafo, e neto de Hiyoshi Katayama, dono do primeiro estúdio de fotografia de Campo Grande, criado em 1922. O “Orient Studio-Foto Katayama” ficava bem no Centro, na Afonso Pena com a 14 de Julho.
“Meu avô chegou em 1914 no Brasil com 17 anos, morou um tempo em São Paulo onde trabalhava com agricultura, mas em 1918, já tendo experiência com fotografia no Japão, resolveu vir para Campo Grande tirar foto de militares que atuavam na recém-criada 9ª Região Militar”, explica Sergio.
Hiyoshi Katayama também foi dono do Bar Alhambra, ao lado do Cinema Alhambra, prédio anexado a sua casa, na Afonso Pena. O bar foi uma opção para ganhar dinheiro durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos 40, e servia de ponto de encontro dos campo-grandenses.
O patriarca da família Katayama trabalhou por cerca de 50 anos. As fotografias que ainda restam no arquivo do neto são retratos de estúdio, principalmente de famílias japonesas que chegaram ao Brasil na mesma situação de Hiyoshi.
Ele teve cinco filhos com Maria Katayama e só um, o caçula, seguiu outra profissão, a medicina. Todos os outros, incluindo o pai de Sergio, Roberto Katayama, enveredaram para o ramo da fotografia.
Mas se Roberto imitou o pai na profissão, no amor não foi bem assim, e isso foi um problemão na época. “Meu pai se apaixonou por minha mãe, Deise Mendes Katayama, que era uma jovem de descendência portuguesa, e isso rompia com a tradição japonesa de casar apenas entre eles”, lembra Sergio.
Ele conta que por conta disso, em 1947, Roberto parou de falar com o pai, com quem já trabalhava, e resolveu seguir sua vida profissional e pessoal sozinho. “Meu pai já entendia bem de fotografia, mexia com isso desde os 14 anos”.
Ele então montou a própria loja, a também conhecida “Foto do Roberto”, na Dom Aquino. “Meu pai continuou com a fotografia, mas mudou um pouco o jeito, ele ia para o interior tirar fotos de eventos, foi também o primeiro a revelar fotografia colorida em Campo Grande na década de 70”, uma revolução na época em que isso só era feito em São Paulo e demorava dias.
E aí está uma característica muito peculiar e forte dos Katayama, a capacidade de inovação e adaptação ao longo dos anos. Uma família não atravessaria quase um século fazendo o mesmo ofício sem se modernizar.
Falo quase um século porque Sergio Mendes Katayama, filho de Roberto e neto de Hiyoshi, ainda trabalha com fotografia. Não mais tirando fotos, mas fazendo a manutenção de câmeras fotográficas em sua loja, no Edifício Conjunto Nacional, também na Dom Aquino.
“Passei muitos anos acompanhando meu pai e foi natural eu continuar fazendo a mesma coisa”, relata Sergio, que também é formado em Ciências Contábeis.
Só pra não deixar passar, depois de alguns anos, Roberto e o pai, Hiyoshi, voltaram a se falar.
Hiyoshi Katayama foi não só um precursor da fotografia em Campo Grande, como um grande professor pra outras lendas da fotografia local, como Mauricio Tibana, que já teve a história contada aqui. Também ensinou o ofício para o irmão Shanziro Katayama, dono do estúdio “Fotos Shanziro”.
Mais um fato que mostra a importância de Hiyoshi é que em 1976 ele foi condecorado pelo governo do Japão por seu trabalho na fotografia, feito quase todo em Campo Grande.
No livro “Personalidades” da “Série Campo Grande”, lançado pela Fundação de Cultura do Município em 2007, é resgatado o depoimento de outro grande fotógrafo, Rachid Wated Neto, sobre Hiyoshi. “Seu trabalho retrata o cuidado e a delicadeza profissional. Ressalta-se que em sua época não existia iluminação para fotografia com luz elétrica, tudo era luz natural que penetrava por claraboias e grandes janelas naturais”.
É impressionante a rigidez das fotos, a linearidade, a conformidade da luz por todo o enquadramento. São retratos belíssimos de famílias, amigos e clientes. E é um cuidado que atravessa também as gerações, como é possível ver nas fotos de Roberto Katayama.
Sentadas na sala de Sergio com a gente estão Danielle Baptista Katayama, hoje editora de imagens, e a bebê dela, Maria Helena Katayama. Juntas formam mais uma geração de Katayma orgulhosas de sua história, que não necessariamente precisa ser contada, apenas vista, pelas fotografias.