Foxy eye é racista?

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Foxy eye é racista?

A analista de sistemas Luana Kayo, 27, cresceu vendo as pessoas puxando os olhos para imitar seus traços japoneses. “Nem sabia o quanto aquilo me incomodava até que comecei a ver fotos no Instagram de pessoas fazendo o mesmo para mostrar a maquiagem”, diz. Ela está se referindo à pose muito usada em fotos da maquiagem estilo “foxy eyes”.

A estética, que estica os olhos com efeito lifting, ficou famosa por conta de celebridades como Bella Hadid e Kylie Jenner. “Por que quando eu era pequena ter olhos amendoados era esquisito e agora é legal?”, diz Luana. O questionamento de Luana é o mesmo de outros asiáticos, que levantaram a discussão nas redes sociais sobre se foxy eyes é racista.

Para conseguir o efeito de “olhos de raposa”, as adeptas do estilo podem usar diversos artifícios. Delineadores pontudos ajudam a esticar as feições junto com cílios postiços mais volumosos nas extremidades externas. Drag queens e mulheres com peles mais maduras usam, até mesmo, fitas adesivas para segurar a pele da região. Casos mais extremos lançam mão de cirurgias plásticas para criar o efeito. E, claro, as mãos nas têmporas evidenciam a estética.

Filha de imigrantes coreanos, a maquiadora Kamila Hee já investiu em foxy eyes. Na época, a polêmica sobre a estética nunca havia passado por sua cabeça. “Historicamente, a mulher, quanto mais jovem, mais bonita é. Então é muito comum fazermos esse efeito lifting nas pessoas”, conta.

Porém, ver influenciadoras como a dupla Two Lost Kids falando sobre o assunto nas redes sociais a fez refletir. “O foxy eyes não é intencionalmente racista, mas pode trazer dor para quem passou por situações difíceis por nascer com os olhos puxados”, diz.

Um paralelo são as tranças e os lábios volumosos das mulheres negras. “Quando faziam parte da estética da população negra elas eram consideradas feias. Quando uma pessoa branca, loira, começou a usar, virou tendência”, Kamila. “Por que a mesma ação tem dois pesos e duas medidas?

O irônico, de acordo com a maquiadora, é o fato de que, na Coreia do Sul e na China, intervenções estéticas para ter olhos maiores e com dobrinha na pálpebra são muito comuns. Só o distrito de Gangnam, em Seul, tem mais de 500 clínicas de cirurgia plástica, e os médicos do país realizam quase 1 milhão de operações desse tipo por ano na Coreia do Sul — o equivalente a duas a cada 100 pessoas que vivem no país.

A intervenção é dada, muitas vezes, como um presente de formatura do ensino médio, já que pode ser o diferencial para a pessoa conseguir um bom emprego. “E os asiáticos, tanto homens como mulheres, fazem essa cirurgia sem refletir muito, porque nem sabem de onde vêm essa ideia de que olhos ocidentalizados são mais bonitos.”

A resposta está na história

A Guerra da Coreia, nos anos 1950, dividiu a península em dois países distintos: Coreia do Norte e Coreia do Sul. Como os tempos eram de Guerra Fria, os Estados Unidos deslocaram frotas para o território para “ajudar” o país a se reerguer.

De acordo com a pesquisadora Angela Kim, autora do artigo “Blefaroplastia como Domesticação dos Asiáticos: A Construção das Identidades Coreanas por Mãos Brancas”, de 2018, da Universidade da Califórnia, foi nesse período que a intervenção para arredondar os olhos ficou popular no Oriente.

É que os EUA tinham a ideia de “domesticar” os asiáticos, e os olhos puxados eram a característica que mais diferenciavam os coreanos dos ocidentais, conta a especialista. Assim, o cirurgião plástico Ralph Millard, que até então trabalhava em reconstrução facial de veteranos e vítimas da guerra, começou a fazer a blefaroplastia, intervenção que tira a gordura da pálpebra e permite que ela dobre. “Eles acreditavam que, com as pálpebras duplas, as coreanas se integrariam mais facilmente aos Estados Unidos”.

Em terreno americano, o preconceito com os olhos puxados era muito comum. “Havia uma imigração grande de chineses, e os americanos achavam que eles iriam roubar seus empregos, acreditavam que eles eram animais”, diz Angela.

Mas o preconceito não se limitou aos anos 1950 e nem se restringiu aos EUA. “Até hoje, aqui no Brasil, relacionamos produtos baratos e de procedência duvidosa aos chineses, por exemplo”, fala Kamila. E o racismo se estende aos coreanos e japoneses. Esteticamente falando, o jogo virou com a Hallyu, onda que espalhou a cultura coreana pelo mundo. O BTS, boyband coreana, está entre os maiores artistas do mundo atualmente. Os dramas coreanos estão no Netflix e na Amazon Prime.

A rotina de beleza coreana já deve ter ganhado um lugar em sua penteadeira. “Agora, as pessoas estão tendo um olhar mais positivo sobre as asiáticas, então ser coreana, ser japonesa, ficou bonito”, analisa Kamila. A maquiadora acredita que foi por isso que os foxy eyes conquistaram a internet e celebridades.

Kamila conta que, por exemplo, passou muitos anos tentando emular, com maquiagem, traços ocidentais. “Ficava me perguntando porque eu era asiática, porque tinha que ser assim. Eu me achava feia, errada”, diz Luana Kayo, que não gostava de ter essa “beleza exótica” no Brasil. Ela pensou até mesmo em fazer a cirurgia para tornar as pálpebras duplas. “Não fiz porque queria gastar dinheiro com outras coisas”, fala, rindo.

Por isso, por mais que os foxy eyes possam ser visto como uma “homenagem”, uma maneira de exaltar as feições asiáticas, ele pode ser doloroso. “Quantas vezes vi gente puxando os olhos para falar que eu era diferente? Antes podia achar brincadeira, mas hoje percebo que me machuca”, conta Luana. Assim como aquela puxadinha que você dá para tirar foto dos seus olhos de raposa.

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