A animação japonesa é provavelmente dos formatos de entretenimento com maior variedade de gêneros, retirando inspiração das mais diversas particularidades da vida. Entre eles está o retrato do cotidiano escolar, que em pouco tempo se transformou num gênero com vida própria e com um grande volume de títulos.
O seu crescimento ramifica-se em inúmeros sub-gêneros de anime escolar, normalmente menos realistas, como por exemplo: o anime escolar com ação e super-poderes (My Hero Academia, Assassination Classroom), sobrenatural/horror (Another, Soul Eater), comédias românticas/dramas (Lovely Complex, KareKano), entre muitos outros sobre os quais certamente será escrito em textos mais adequados ao assunto.
Neste artigo, por outro lado, a intenção é precisamente destacar o formato mais realista do gênero. Ou seja, os que retratam a vida escolar japonesa (uniformes obrigatórios, meios de deslocação, comportamento no contexto de sala de aula, exames, etc) e os que falam dos problemas universais a qualquer humano nesta fase tão particular da vida (relações de amor, de amizade, a forma como aproveitam cada momento livre dentro e fora da escola, etc).
Quando nos vemos de alguma forma retratados no ecrã, através de personagens ou situações semelhantes às quais estamos a passar, ajuda-nos a sentir compreendidos (até certo ponto), menos sozinhos, e, no melhor dos cenários, ajuda-nos a atualizar a perspectiva que temos da situação e a lidar melhor com ela. O retrato da vida em anime, e na arte em geral, ajuda-me sempre a ver as coisas de forma diferente.
No caso de precisar daquela motivação extra para enfrentar um novo ano, estas recomendações são o ideal. Vão ajudar no conforto, no relaxamento, e, por acréscimo, conhece um pouco sobre o sistema de ensino do Japão (sempre com um grau de cepticismo, deve investigar os aspectos pelos quais ficará interessado, pois nem tudo o que é retratado sobre a sociedade japonesa em anime, é real). Ideal também para quando te apetecer variar o gênero de anime.
Hyouka
Os clubes escolares (desde desporto a astronomia), e os festivais culturais (momento anual onde cada clube demonstra o seu projeto final a todo o corpo estudantil e a visitantes externos), são as atividades extra-curriculares mais valorizadas da vida escolar nipônica. Portanto, é difícil apontar um título anime deste gênero que não aborde clubes escolares como parte central da narrativa ou, pelo menos, que seja mencionado de alguma forma. Hyouka é um desses títulos.
A história aborda muitos aspectos universais da vida escolar, como as relações amorosas, as relações de amizade e as implicações que por vezes umas têm nas outras. Mas também trata aspectos específicos do ensino japonês, a forma como as aulas são dadas, o comportamento característico dos alunos para com os professores, ou até coisas simples do dia a dia dos jovens japoneses. Tudo isto à volta da temática central: o clube escolar, que nesta narrativa é sobre o Clube de Literatura Clássica.
Para além das muito interessantes personagens, e mistérios escondidos nas origens do clube, poderão observar o funcionamento total do mesmo, desde o início do ano letivo até à sua grande conclusão, no dia do festival cultural.
Se gostarem, recomendo que se debrucem na biblioteca de títulos produzidos pela Kyoto Animation, que é um estúdio mestre na representação realista da vida escolar, tal como também o faz por exemplo em K-On (clube de música ligeira), Suzumiya Haruhi no Yuuutsu (clube dedicado ao sobrenatural), Free! (clube de natação), Hibike! Euphonium (clube de música clássica), etc.
From Up on Poppy Hill
Por entre os aspectos interessantes da narrativa de From Up on Poppy Hill, um dos mais atraentes é o desenvolvimento da vida escolar nos anos 60, num local deslocado dos centros urbanos nipônicos.
A protagonista vive diariamente sobrecarregada pelo negócio de família e por tarefas domésticas. Quando não está na pensão, é uma estudante de secundário que tem de lidar com duas crises: um potencial amor impossível e a provável demolição do muito adorado edifício onde estão alojados os clubes escolares.
Tal como Hyouka, também trata dos assuntos que nos são muito familiares, mas em vez de se focar num clube em específico, concentra-se no edifício que alberga todos os clubes. Acaba por falar um pouco sobre o clube de jornalismo e do seu modus operandi, porque os protagonistas fazem parte dele. Para mim, e para fãs de jornalismo, é um pormenor muito interessante porque os anos 60, como época narrativa, permitem vislumbrar e admirar algumas das técnicas que eram utilizadas na criação e impressão do jornal em formato físico.
É muito agradável, confortável e revitalizante. Um deliciosa janela temporal para uma pequena parte do Japão, num outro tempo.
ReLife
ReLife inverte a prioridade nos temas presentes nas narrativas de Hyouka e de From Up on Poppy Hill. Se aqueles dois tratam a vida escolar, privilegiando os clubes como assunto, ReLife foca-se precisamente nas experiências exclusivas a uma fase da vida onde tudo é estranho, desconhecido e complicado.
É sobre um jovem de 27 anos que volta a ter 17 (apenas fisicamente), e tem de viver o último ano de secundário com pessoas que nunca conheceu. O foco desta história é: ele não volta atrás no passado para limpar arrependimentos, terá, por outro lado, de viver os 17 com a perspectiva de alguém com 27, algo que o vai ensinando como a nossa experiência influencia a forma como percebemos as coisas.
Tem uma pincelada de sobrenatural, mas serve apenas para impulsionar a narrativa, que é essencialmente sobre uma nova oportunidade na vida. Apesar da premissa sobrenatural, tudo o resto é natural, real e familiar.
Além disso, coloca personagens mais velhas no lugar onde normalmente vemos personagens mais novas, o que certamente será algo interessante para quem já passou por aquelas idades e que já se distancia o suficiente para as observar e compreender de outra forma.
Daily Lives Of High School Boys e Nichijou
Para terminar, dois títulos que têm a habilidade de parodiar o gênero e que nos contam histórias por vezes assustadoramente familiares do nosso dia a dia enquanto jovens estudantes.
Fazem os dois o mesmo, com o mesmo propósito e até com essências muito semelhantes: retratam a vida de um conjunto de amigos, do seu dia a dia na escola, nos estudos e principalmente nas pequenas coisas que fazem nos poucos tempos livres que têm.
O que os diferencia é que em Daily Lives Of High School Boys os protagonistas são rapazes e em Nichijou são meninas, portanto, muito do humor de situação e de observação é relacionado e, por vezes, ultra específico a “coisas de rapazes” e a “coisas de garotass”. Isto não invalida, de modo algum, que não devam ver e apreciar ambos.
Pelo contrário, são os duas experiências muito interessantes, até porque permite conhecer situações exclusivas do sexo oposto.