Shoyu de fermentação natural ganha espaço no Brasil

0
96
Shoyu de fermentação natural ganha espaço no Brasil

Há alguns meses, quando veiculou matéria sobre o wasabi verdadeiro que estava começando a ser produzido e comercializado regularmente no Brasil, muita gente escreveu levantando outra polêmica dentro da culinária japonesa: o embate shoyu verdadeiro x shoyu comercial. Muitos netos de japoneses comentaram: “Minha batchan (avó em japonês) odeia os molhos de soja que temos aqui, todos cheios de amido de milho”, ou “os shoyus brasileiros têm açúcar, são muito diferentes [daqueles] do Japão”.
Após pesquisa, descobriu-se que a reclamação das batchans tem fundamento. Vocês já pararam para ver o rótulo de um shoyu comum, desses mais tradicionais que são vendidos em supermercado?
É uma mistura de corante caramelo IV (vulgo veneno), glutamato, açúcar, trigo, amido e, por fim, soja. O líquido escuro e salgado serve para temperar pratos quentes como sobas (macarrão com caldo) e sukiyaki (carne com legumes), da culinária japonesa. Mas também é usado na degustação de peixes crus, como sushis e sashimis. E é justamente ao comer um bom sushi que você vai notar mais a diferença entre um shoyu produzido em escala industrial e o outro feito a partir do método tradicional japonês de fermentação natural.

Shoyu ou molho de soja é consumido com sushis e sashimis

Shoyu ou molho de soja é consumido com sushis e sashimis

O sabor de um e de outro não tem nada a ver. Um tem umami, aquele famoso quinto elemento de sabor que complementa o doce, o salgado, o amargo e o azedo. Outro é sal/sódio puro mesmo. Mas, antes de explicar como esse sabor influi na degustação dos alimentos, queria trazer aqui um pouco de história e explicar como é feito o shoyu de fermentação natural.

Acho que a melhor analogia a ser feita é: ao usar um shoyu comercial você está consumindo o equivalente a um vinho Sangue de Boi, de galão, com adição de açúcar, que vai te dar dor de cabeça no dia seguinte. Se você usar o de fermentação natural, estará consumindo o equivalente a um vinho delicado, cujo sabor é resultado de um processo longo feito por leveduras naturais em barris. Sim, o shoyu tradicional é feito em barris, como os vinhos, e todo o sabor dele vem justamente dessa técnica. O método se chama honjozo, também utilizado na fermentação do saquê, e trabalha quatro ingredientes: soja, trigo, água e sal. Um fungo é acrescentado nos barris com os outros produtos, e o envelhecimento acontece por meses.Ilustração mostra o processo de fermentação do shoyu

Ilustração mostra o processo de fermentação do shoyu

KIKKOMAN

Conversamos com o sushi-chef Sérgio Kubo, do Kubo Zushi, em São Paulo. Ele diz que a diferença na hora de comer um sushi, por exemplo, é marcante: No shoyu fabricado no método tradicional (fermentação natural) o sabor tende a se dissipar rapidamente da língua e no shoyu produzido em larga escala tende a deixar uma nota de sabor mais duradouro”, conta. Nesse caso, o “duradouro” não é uma coisa boa, galera.
Sérgio Kubo também conta que que há cerca de 60% a 70% de aditivos no shoyu comercial e que os clientes já dão preferência ao sabor mais delicado, apesar do paladar do brasileiro ainda estar muito acostumado ao sabor forte do shoyu comum: “A grande maioria dos clientes nota a diferença no shoyu da casa em relação ao tradicional. Mas há alguns clientes que preferem o shoyu tradicional por ele ter um teor de sódio mais elevado”, revela.

Pergunte, sempre
Não tem certo ou errado e eu não estou aqui para deixar a sua vida no restaurante japonês ainda mais difícil do que já é. Mas sugiro que você sempre pergunte qual é o shoyu oferecido no restaurante que você frequenta — simplesmente porque é bom saber o que você está consumindo. Pergunte se há mais de uma opção e quais as marcas. Algumas casas costumam deixar o shoyu comum (mais barato) na mesa e o shoyu importado “escondido” — só servem a “iguaria” quando o cliente pede. Já presenciei cenas assim, inclusive em restaurantes caros e hypados… Vale perguntar.
Se você quiser provar sem pisar num restaurante, o shoyu de fermentação natural pode ser encontrado em casas especializadas de produtos japoneses e alguns supermercados gourmets. A maioria é importada, mas algumas marcas antenadas já sacaram a tendência e a necessidade de atender aos paladares mais exigentes no Brasil e lançaram versões naturais.

Shoyu nacional de fermentação natural

Shoyu nacional de fermentação natural

@EHDECOMER

A japonesa Kikkoman, criada em 1.600, estreou com o shoyu fermentado brazuca no fim do ano passado — mostrando que ainda dá para se reinventar depois de séculos de existência. A marca tem três fábricas no Japão e oito no restante do mundo, a nacional foi inaugurada em 2020. Foi provado o novo produto. A diferença para o shoyu industrial é evidente. É muito mais delicado e saboroso que os shoyus mais comuns, é mais translúcido e tem uma leve cor rubi. Segundo a marca, há notas de flores, frutas, uísque e café. Não foi sentido tudo isso, mas que é bem mais frutado e floral que os demais, isso é.
O risco (ou vantagem) é você nunca mais conseguir consumir o shoyu comercialzão de novo… Enfim, é fácil se acostumar com coisa boa. De qualquer forma, sai mais em conta que os molhos de sojas importados — que beiram a casa dos R$ 35 a R$ 50 reais o vidrinho de 150 ml. O nacional fermentado da Kikkoman varia entre R$ 15 e R$ 20.

Shoyu temperado
É comum nos restaurantes japoneses, que os chefs “temperem” o shoyu tradicional, para elevar o sabor dos pratos: “No Kubo Zushi utilizamos o shoyu tradicional com acréscimo de outros aditivos como saquê, flocos de bonito (katsuobushi) e algas marinhas (kombu)”. Por isso, mesmo que você compre um shoyu de fermentação natural para consumir em casa, você ainda assim vai notar diferença no sabor do shoyu que consome no salão de um bom restaurante japonês.

Sérgio Kubo, do Kubo Zushi

Sérgio Kubo, do Kubo Zushi

O shoyu de fermentação natural nacional acaba sendo bastante equivalente no sabor se comparado ao importado. Pelo menos para um bom paladar, que ainda não se compara ao das vovós japonesas exímias entendedoras de milho de soja.

O que é importante, na verdade, é saber dosar a quantidade no sushi, senão fica tudo com gosto de soja salgada. Pra isso, fica a dica: “Nos crus, o mais indicado é mergulhar o peixe rapidamente no shoyu. No caso do sushi, o mais recomendado seria molhar o peixe e não mergulhar o shari (arroz de sushi) no shoyu. Pelo seguinte motivo: à medida que o shari absorve o shoyu, faz com que se perca o tempero do shari, deixando o shari sem sua personalidade“.
Quer saber mais? Me segue lá no insta, o @ehdecomer. Vou deixar lá mais impressões e dicas sobre os shoyus de fermentação natural.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui