Acaba de ser lançada edição fac-símile de dicionário japonês raro

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Acaba de ser lançada edição fac-símile de dicionário japonês raro

O Vocabvlario da Lingoa de Iapam foi descoberto em setembro de 2018, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Publicado em 1603 pelos jesuítas, o volume raro é o quarto de que se tem notícia e o primeiro do continente americano – os outros três estão na Inglaterra, França e Portugal – e sai agora em edição fac-similar pela Editora Yagi Shoten Shuppanbu, de Tóquio. Trata-se de um dicionário bilíngue japonês-português, impresso em Nagasaki, que registra mais de 32 mil palavras (escritas e faladas) em japonês da época, e que é até hoje uma referência para se conhecer a língua, a cultura e a história do país do final do século 16 e início do século 17 (leia mais sobre o dicionário emmatéria publicada no Jornal da USP).

O fac-símile é uma coedição da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e da Yagi Shoten Shuppanbu, com organização dos responsáveis pela descoberta, a professora Eliza Atsuko Tashiro Perez, do Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da FFLCH, e Jun Shirai, na época docente da Shinshu University, do Japão, e professor visitante do programa.

O grande destaque são as imagens fotográficas em alta resolução de todas as páginas do dicionário. Além disso, a obra traz um prefácio de Harumichi Ishizuka, Professor Emérito da Hokkaido University e organizador do fac-símile do exemplar da Biblioteca Nacional da França, e textos de Helena Severo, ex-secretária municipal de Cultura do Rio de Janeiro e ex-presidente da FBN, e da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, diretora da FFLCH. Há ainda textos críticos assinados pelos organizadores, pela diretora executiva da FBN Maria Eduarda Marques e por duas especialistas em lexicografia jesuítica do Japão: Haruka Nakano (Shohoku College) e Emi Kishimoto (Osaka University).

O dicionário foi encontrado meio por acaso no Acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional, quando os pesquisadores buscavam por títulos publicados pela prensa jesuítica japonesa nos séculos 16 e 17. “Sabendo que a base formadora da Biblioteca Nacional fora a Biblioteca Real portuguesa mandada trazer pelo então príncipe regente D. João (1767-1826), partimos da hipótese de que esta tivesse em seus acervos obras dos jesuítas do Japão, devido aos interesses comuns entre a Coroa lusa e a Companhia de Jesus”, relata Eliza. Mas, diferindo dessa expectativa, diz a professora, o Vocabvlario foi encontrado no acervo bibliográfico e iconográfico doado por D. Pedro II, em 1891, e leva, a seu pedido, o nome da imperatriz Dona Teresa Cristina Maria (1822-1889). O que ainda não se sabe é o percurso do exemplar do dicionário desde Nagasaki até constituir o acervo da biblioteca particular do imperador, no Rio de Janeiro.

Edição fac-símile de Vocabvlario da Lingoa de Iapam: imagens de alta qualidade, com prefácio, textos críticos e comparação tipográfica – Imagem: FFLCH/USP

Tanto a edição brasileira da FBN como os outros três exemplares que têm sua existência física comprovada – da Biblioteca Bodleian da Universidade de Oxford, na Inglaterra, da Bibliothèque Nationale de France e da Biblioteca Pública de Évora, em Portugal – foram publicados em fac-símile por diferentes editoras japonesas, comenta Eliza. Além disso, ressalta, a coedição atual é a segunda com imagens fotográficas coloridas.

Outra particularidade da coedição é o trabalho de comparação tipográfica, feita pela pesquisadora Haruka Nakano, entre os quatro exemplares e um outro, que foi encontrado no Convento de Santo Domingos em Manila, nas Filipinas (dado como desaparecido, mas com uma fotocópia no acervo da Sophia University, de Tóquio).

Processo de edição

Capa do dicionário publicado em 1603 pelos jesuítas, referência para se conhecer a língua, a cultura e a história do Japão do final do século 16 e início do século 17 – Imagem: FFLCH/USP
Comparação tipográfica entre cinco exemplares, feita pela pesquisadora Haruka Nakano, mostra que há páginas em que se constataram diferenças, como notas de rodapé – Imagem: FFLCH/USP

Foram 18 meses, desde a descoberta do dicionário até a publicação. Segundo a organizadora, logo depois que encontraram a obra, foi realizado contato com o professor Masayuki Toyoshima, um dos maiores pesquisadores das publicações dos jesuítas feitas no Japão. Como conta Eliza, a sugestão da publicação fac-similar partiu dele, que deu sequência aos acordos com a Editora Yagi Shoten, empresa com projeção no mercado editorial japonês pela publicação de obras clássicas e manuscritos.

A proposta de coedição foi submetida ao Centro de Pesquisa e Editoração da Biblioteca Nacional em maio de 2019 e aprovada em julho do mesmo ano. A etapa seguinte foi a formulação do convênio de coedição da obra fac-similar do Vocabulario da Lingoa de Iapam, assinado pelos representantes das três instituições ainda no final de 2019.

“Como envolveu duas instituições públicas brasileiras (uma federal e outra estadual) e uma editora comercial japonesa, o processo de elaboração da proposta e do convênio foi mais lento, pois exigiu cuidados sobre questões técnicas e jurídicas”, afirma. A professora acredita que a proposta deve ter sido a primeira submissão que a Biblioteca Nacional recebeu envolvendo uma editora japonesa, abrindo precedentes para iniciativas futuras.

Cada página do dicionário gerou uma imagem que foi reproduzida em tamanho original e com resolução de 540 dpi, em vez dos tradicionais 300 dpi. “Incluindo capas e folha de guarda, são 676 imagens que permitem, segundo o presidente da Editora Yagi Shoten, identificar até mesmo mínimas manchas de tinta no papel”, comenta Eliza. Além disso, mesmo durante a revisão, são usadas as mesmas impressoras e papéis do livro final, para que seja possível um ajuste adequado da cor e do tom, entre outros muitos cuidados.

A edição fac-similar por enquanto não será vendida no Brasil, mas, obedecendo a uma cláusula do convênio de coedição, a Fundação Biblioteca Nacional receberá 30 exemplares. E ainda neste ano, como adianta Eliza, a revista Estudos Japoneses – editada pelo Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da FFLCH – deve publicar uma resenha sobre a obra, a fim de levá-la ao conhecimento dos pesquisadores brasileiros.

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