Em somente três oportunidades, e apenas em decorrência das grandes guerras, as Olimpíadas foram canceladas. Em Berlim-1916; em Tóquio-1940 e em Londres-1944. Embora os japoneses tenham sediado os Jogos de 1964, porta de saída dos tempos de aliança com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, uma lufada de ar respirável depois do drama de Hiroshima e Nagazaki, a sombra de 1940 nunca desapareceu por completo. A rigor, Tóquio perdeu aquela candidatura – que seria transferida para Helsinque, também descartada – depois do início da chamada Segunda Guerra Sino-Japonesa, em 1938.
Perdia-se, ali, a chance de usar a competição como forma de mostrar que a cidade havia se recuperado do devastador terremoto de 1923 – e há, aqui, um paralelo possível com o torneio de 2020, este em tempos de coronavírus, tratado como oportunidade de comprovar a capacidade nipônica de levantar a cabeça depois do tsunami de 2011, atalho para o desastre nuclear de Fukushima. Ficará, muito possivelmente, um outro travo de “Olimpíada perdida”, como ficou conhecida a de 1940 – ao menos até que os riscos da pandemia desapareçam.
O nome de Tóquio como sede olímpica em 1940 foi liderado por Jigoro Kano, fundador do judô moderno e membro do Comitê Olímpico Internacional (COI), que enfatizava a importância diplomática de levar os Jogos para a Ásia pela primeira vez. “Seria injusto não realizá-la no Japão”, disse Kano. Os japoneses tinham uma razão especial para a celebração esportiva – ela coincidia com os 2600 anos da entronização do primeiro imperador do Japão, Jimmu. A oferta de Tóquio foi feita em 1932, ao lado de Roma e Helsinque. Houve intenso lobby, inclusive um acordo diplomático com a Itália de Mussolini. “Os italianos aceitaram renunciar à candidatura desde que os japoneses apoiassem a escolha de Roma em 1944”, escreve David Goldblatt, um dos mais respeitados historiadores das olimpíadas, em The Games. E assim foi feito. Com apenas Tóquio e Helsinque na corrida, os asiáticos foram vitoriosos, na votação entre os dirigentes do COI, por 37 a 26.
O plano japonês de sediar os Jogos fazia parte de um movimento diplomático mais amplo, o de melhorar o relacionamento com as nações democráticas ocidentais, especialmente a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Havia, contudo, curiosos obstáculos no meio do caminho. Havia dúvida se o Imperador Hiroito poderia declarar os Jogos abertos, na cerimônia de abertura, pois, tido como semidivino por seus compatriotas, seria incapaz de ser visto e ouvido pelos cidadãos comuns. À medida que os preparativos ganhavam ritmo, deu-se a aceleração bélica, e tudo ruiu. As autoridades locais exigiam mais dinheiro para a indústria de armas. A maioria das democracias do Ocidente, já ao cabo do primeiro tiro na China, declararam boicote – até o ponto, inegociável, em que os próprios membros do COI tiveram de dizer não.