A princesa chinesa Yoshiko Kawashima nasceu no início do século XX, mas foi enviada para o Japão após a queda da Dinastia Qing. Lá, cresceu e tornou-se uma espia travesti, que sonhava em restaurar a antiga glória da sua família. Para os japoneses, era uma heroína inspiradora; para os chineses, uma traidora.
Segundo o All That”s Interesting, Aisin Gioro Xianyu era uma dos 38 filhos do príncipe Shanqi, um príncipe manchu aparentado com a dinastia Qing.
Os Qing chegaram ao poder no século XVII depois de derrubarem a dinastia Ming, mas quando Aisin nasceu, o seu controlo sobre o poder estava a enfraquecer. Em 1911, uma revolução liderada por Sun Yat-sen derrubou a dinastia Qing e estabeleceu a República da China.
Aisin Gioro Xianyu foi enviada para o Japão, para morar com uma amiga do seu pai, Naniwa Kawashima. Na altura, tinha cerca de oito anos de idade.
Já em Tóquio, a pequena Aisin Gioro Xianyu foi rebatizada com o nome que viria a usar o resto da vida: Yoshiko Kawashima.
A princesa no exílio deixou claro desde muito cedo que era tudo menos convencional: depois de ter passado a usar roupas masculinas e de ter cortado o cabelo curto, disse que ia “deixar de ser mulher para sempre”. A atitude podia ser explicada pela aversão que tinha aos pretendentes que o seu pai adotivo lhe arranjava.
Mas Kawashima não queria ser uma noiva; queria ser como Joana d”Arc.
Aos 24 anos, depois de anos de rebeldia e já sem dinheiro, a jovem precisava de arranjar uma forma de se sustentar. Foi nessa altura que recebeu uma chamada do exército japonês Kwantung, que estava há muito tempo de olho na Manchuria, encarado-a como posse legítima do Império Japonês.
Em 1931, oficiais japoneses plantaram uma bomba nos carris e acusaram sabotadores chineses, como pretexto para a invasão de todo o nordeste da China. Apesar de terem conseguido o controlo de Manchuria, precisavam que parecesse legítimo.
Kawashima era perfeita: o seu espírito aventureiro e capacidade de disfarce tornaram-na uma recruta atraente para a inteligência militar japonesa. A jovem começou a trabalhar para o general Kenji Doihara, conhecido como “Lawrence da Manchuria”.
Mais tarde, convenceu o deposto imperador Qing Puyi a tornar-se governante de Manchukuo. Através dele, Kawashima atingiu o objetivo e restaurou a dinastia Qing.
Hanjian
Ryukichi Tanaka, um oficial japonês com quem Kawashima manteve um caso, contou que, depois disso, a missão da princesa era provocar violentos distúrbios em Xangai.
Em 1932, por exemplo, Kawashima viajou pela cidade e pagou aos trabalhadores para organizar motins e protestos violentos, dando às tropas japonesas mais uma desculpa para fortalecer a sua posição na China.
Nessa altura, também se tornou um soldado em Manchukuo, líder de um pequeno exército de vários milhares de soldados de cavalaria, cuja missão era eliminar a pouco e pouco os combatentes da resistência chinesa.
Kawashima era tanto uma princesa chinesa quanto uma heroína japonesa, algo que as autoridades japonesas não ignoraram. Chegaram a estar, inclusivamente, entusiasmadas com a ideia de a usar como uma figura de relações públicas – chegou a aparecer em programas de rádio e até a lançar um álbum de canções folclóricas mongóis.
Em 1940, a figura romântica da princesa Manchu terminou. Kawashima tornou-se demasiado conhecida e mediática e deixou de ser útil como espia.
Perante o desinteresse dos militares japoneses, Yoshiki fez uma chantagem para extorquir dinheiro a cidadãos chineses ricos antes de ser colocada em prisão domiciliar. Em 1941, Kawashima voltou para Pequim, onde permaneceu até ao final da II Guerra Mundial.
Em agosto de 1945, as forças soviéticas invadiram Manchukuo e puseram fim ao regime japonês. A 10 de outubro desse ano, as tropas chinesas recapturaram Pequim e, no dia seguinte, prenderam Yoshiko Kawashima.
A princesa foi acusada de traição e rotulada de hanjian (“traidor de raça”). Três anos depois, no dia 25 de março, Yoshiko Kawashima foi conduzida a um pátio da prisão e baleada uma única vez na cabeça. O tiro foi fatal.