Atribuir status de divindades para governantes, ou até mesmo dons espirituais, é um comportamento milenar, datando desde o Egito Antigo e da Idade Média. No entanto, o que foi ainda é mal interpretado pelos povos ocidentais é a ideia de que os japoneses enxergavam os imperadores como um deus no sentido literal, quando, na verdade, desde o século VI, ficou determinado que ele descendia dos kami (espíritos), ou que estava em constante contato espiritual com eles.
Claro, havia exceções nesse cenário, visto que os povos camponeses mais apegados às raízes culturais, principalmente os mais velhos, poderiam levar o conceito de modo mais literal.
Ainda que isso não fizesse de o imperador um verdadeiro deus, a cultura impôs a obrigação a ele de realizar alguns rituais devocionais para garantir a satisfação e o cuidado adequado do Japão pelos kami, assegurando sua prosperidade como nação.
“Criando” um deus
(Fonte: The Conversation/Reprodução)
Até a Restauração Meiji, entre 1868 e 1889, um período em que várias transformações teocráticas nas áreas institucionais, educacionais, econômicas, religiosas e governamentais aconteceram —, o poder divino de um imperador não foi refletido em seu poder político. Ou seja, ele tinha pouca autoridade e vivia em reclusão no Japão.
Foi durante a década de 1930 que começou a ser ensinado que o imperador era um “deus manifesto”, mas não significava que era onisciente nem onipotente, apenas que manifestava algumas qualidades de natureza divina, como ser descendente de Ameratsu, o cargo mais alto dos kami.
Devido a isso, se tornou lógico para os japoneses que o imperador deveria ser obedecido e adorado como um deus, ainda que não fosse propriamente um. Em 7 de dezembro de 1941, quando o imperador Hirohito autorizou o ataque ao Pearl Harbor, arrastando os Estados Unidos para a Segunda Guerra Mundial, o status divino do imperador se tornou um elemento vital para o patriotismo japonês e o entendimento de si como uma nação.
Declarando a verdade
Imperador Hirohito. (Fonte: Europeana/Reprodução)
Com isso, surgiu a má percepção de que os japoneses achavam que Hirohito era uma espécie de divindade encarnada, e que não faziam ideia de que era um ser humano até que ele emitiu a notória Declaração de Humanidade, em 1º de janeiro de 1946, como causa direta do fim da já anunciada Segunda Guerra Mundial.
Quando o imperador assinou a rendição total do Japão, em 14 de agosto de 1945, e no dia seguinte se pronunciou diretamente para o povo pela primeira vez, boa parte da população, principalmente os camponeses, temeu que Hirohito ordenasse que todos tirassem a própria vida, devido ao código de conduta bushido — além de que a nação nunca havia se rendido ou perdido uma guerra até aquele momento. Mas nada disso aconteceu.(Fonte: The Atlantic/Reprodução)
Com o desastre das bombas de Hiroshima e Nagasaki consumindo todos os aspectos do país, as pessoas passaram a acreditar que os poderes do imperador havia diminuído devido à derrota.
E naquele janeiro de 1946, Hirohito emitiu sua Declaração de Humanidade, a pedido do Comandante Supremo das Forças Aliadas, negando veementemente para todo o Japão seu conceito de divindade, esclarecendo que não possuía nenhum aconselhamento celestial.
A declaração foi o que levou à promulgação da nova Constituição do Japão, escrita em 3 de maio de 1947 pela ocupação Aliada, derrubando a Constituição de Meiji de 1890.