Em 1942, um submarino alemão realizou seis ataques a navios brasileiros, assassinando 877 compatriotas, entre civis e militares. A comoção nacional gerada pela agressão abalou a neutralidade do governo de Getúlio Vargas e, em 22 de agosto de 1942, o Brasil declara guerra contra a Alemanha e a Itália.
No front doméstico, a ditadura getulista proibiu o uso das línguas alemã, italiana e japonesa no Brasil, além de impor restrições de viagem, da circulação de material impresso, punindo com pena de prisão aqueles que desafiassem as imposições do Estado Novo.
“O uso da língua estrangeira foi proibido nas escolas […] e nos livros”, contou a historiadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), Lúcia de Oliveira Lippi, à Sputnik Brasil.
Apesar do Brasil não ter declarado guerra contra o Japão, famílias japonesas como a da Lucia Hiratsuka, escritora e ilustradora ganhadora do prêmio Jabuti, que vivia na zona rural, próximo à cidade de Bauru, sentiram na pele os impactos das proibições.
“As escolas da comunidade japonesa foram fechadas justo quando minha mãe, que ainda era menina, ia começar a estudar. Quem morava na cidade, se transferia para uma escola brasileira, mas, na zona rural, acabou ficando sem escola para estudar”, conta Hiratsuka.
A política de proibição do ensino em língua estrangeira havia sido adotada antes da guerra, no início da ditadura do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945: “Era um cerco que ia se fechando”, disse Hiratsuka.
“O sistema de ensino […] do governo deveria ser seguido por todas as escolas. Se alguma fosse denunciada por não cumprimento, seria fechada. As escolas privadas também deviam seguir um currículo mínimo determinado pelo Ministério da Educação”, explicou Lippi.
Para continuar os estudos, “alguns jovens de origem japonesa davam aula escondidos nas casas dos membros da comunidade”, revela Hiratsuka. “Mas como poderiam ser delatados, caso alguém descobrisse, eles trocavam de casa a cada semana.”
A família de Hiratsuka foi uma das muitas da comunidade japonesa que precisou enterrar seus livros para que a polícia varguista não os confiscasse.
Desafiando o mundo dos adultos, sua mãe escondeu seu livro preferido embaixo do colchão, história que Hiratsuka conta em sua obra literária, “Os livros de Sayuri”.
“A forma de reação da comunidade foi continuar estudando, escondiam as cartilhas durante o dia, e de noite as resgatavam para estudar”, conta.
“Mas membros da comunidade não conseguiram manter a língua”, lamentou Hiratsuka. “Uma geração inteira ficou sem falar japonês.”
Para Lippi, a proibição “contribuiu para que a geração mais nova [de imigrantes] deixasse o gueto e fosse assimilada ao país”.
“Isto aconteceu principalmente pela presença dos filhos e netos dos imigrantes nos bancos universitários. A universidade integrou os descendentes de italianos, libaneses, espanhóis e até japoneses e judeus”, notou a historiadora.
“Nessa época, o governo achava que a comunidade japonesa era muito coesa e não iria se miscigenar, para cumprir objetivo de ‘branquear’ o Brasil, como eles queriam”, explicou Hiratsuka.
“Por isso, eles acreditavam que era necessário cortar o laço cultural que unia a comunidade japonesa, que começa pelos livros e pela língua.”
“Nesse período, era muito importante ter livros nas comunidades, tínhamos trocas de livro, assinávamos revistas japonesas: era um traço da nossa cultura”, disse Hiratsuka.
A proibição de jornais também “impactou muito as chamadas colônias italianas e alemãs do Sul do Brasil, aonde havia escolas e cultos nas línguas originais”, notou Lippi.
Os censores ficavam particularmente inseguros quanto à importação de livros e jornais em língua japonesa, “porque eles não entendiam nada do que estava escrito”, contou Hiratsuka.
“No fim da guerra, houve uma divisão dentro da comunidade. Como não tínhamos acesso a informações sobre o Japão, alguns acreditavam que o país não tinha perdido a guerra”, contou Hiratsuka.
Batida policial
Para controlar a proibição da língua, havia batidas policiais nas instituições e residências de membros das comunidades, além das restrições de movimento pelo território brasileiro: “Para viajar, era preciso ter uma carta de permissão”, disse Hiratsuka.
“Em um restaurante de Parati [RJ], vi um lindo quadro do pintor [Yoshiya] Takaoka”, pintado quando o artista se refugiou na cidade fluminense, contou Hiratsuka.
Takaoka fazia parte do grupo de artistas de origem japonesa radicados em São Paulo Seibi-kai, cujas atividades tiveram que ser interrompidas durante a guerra.
Perseguido pela ditadura varguista, o pintor refugiou-se na cidade fluminense e “o dono do estabelecimento o ajudou a se esconder, e ganhou o quadro como agradecimento”.
Terminado a Segunda Guerra Mundial, o grupo Seibi-kai voltou a reunir-se, em 1947. A família Hiratsuka também tentou reestabelecer o ritmo normal de vida, e desenterrou os livros escondidos em seu quintal.
“Mas quando chegou a hora de desenterrar os nossos livros, já era tarde: eles estavam todos úmidos e estragados”, contou Hiratsuka.