A área onde o Cemitério Japonês de Álvares Machado (SP) foi construído tem histórias que vão além dos 784 túmulos. O que foi erguido primeiro foi a escola, que em japonês é chamada de gakô. O prédio de 1919 ainda está lá e a cor da madeira denuncia a idade avançada. Nos cinco alqueires cedidos pelo pioneiro Naoe Ogassawara, as prioridades eram dar dignidade aos entes queridos que se foram e investir no futuro por meio da educação. E foram as valorizações do passado e do futuro que também fizeram do Shokonsai uma tradição centenária. Neste domingo (12), a festa que cultua os antepassados japoneses completa 100 anos.
Educação
Primeira escola construída pelos imigrantes japoneses em Álvares Machado fica no espaço junto ao Cemitério Japonês — Foto: Kaito Lomartire/TV Fronteira
A construção da escola foi finalizada em agosto de 1919. A ideia original era utilizar um dinheiro recebido ainda no Japão pela família Ogassawara para fazer algo em benefício do coletivo para erguer a unidade de ensino. Mas as repetidas mortes por febre amarela e outras doenças e a dificuldade em levar os mortos para sepultamento em Presidente Prudente mudaram os planos. Foi preciso dividir as atenções. O primeiro sepultamento foi em 15 de novembro do mesmo ano e o início das aulas, em dezembro.
A primeira escola tinha 60 metros quadrados. Com o aumento da demanda, foi feito um prédio maior. “Quando nossos pais e avós vieram para cá, como imigrantes, eles vieram com um sonho. Qual era o sonho deles? Era que aqui enriquecessem e voltassem para o Japão, mas viram que, em função das dificuldades, teriam que mudar o rumo desses objetivos. O objetivo principal dos nossos antepassados foi dar educação aos filhos, de tal forma que eles não sofressem como eles sofreram. Foi a partir daí que foi construída em todos os núcleos de colonização aqui da cidade uma escola. Aqui foi a primeira. Eles priorizaram a formação, a educação”, explicou o vice-presidente da Associação Cultural, Esportiva e Agrícola Nipo-Brasileira de Álvares Machado (Aceam), Luiz Takashi Katsutani.
Pandemia do novo coronavírus afeta celebração do Shokonsai em Álvares Machado
A professora Vilma Mayumi Tatibana, que faz uma pesquisa histórica sobre o local, citou que a zona rural de Álvares Machado chegou a ter sete escolas fundadas por japoneses. “Isso vem da grande importância da educação. Eles também chamavam professores do Japão, formados nas melhores universidades”, relatou.
O início da imigração japonesa também ajudou na evolução do município, conforme explicou a também pesquisadora Eli Tatizawa.
“A cidade nasceu do lado da estação de trem. A primeira escola fica a cinco ou seis quilômetros da estação de trem. Então, foram inícios quase juntos. O que se coloca é que a cidade de Álvares Machado foi fundada um pouquinho antes. A área da escola e onde fica o cemitério chegou a ter mais de 500 famílias. São mais de duas mil pessoas. Para uma época de início de século, é muita gente. Então, a pujança da região também está relacionada a isso”, salientou.
As proibições do governo de Getúlio Vargas, no período da Segunda Guerra Mundial, afetaram bastante a rotina das famílias japonesas. “Quando foi fechado o cemitério, existia até uma forma de cercear qualquer movimento social. Então, a escola passou a ser um pouco clandestina. Em função, a escola foi diminuindo. Depois da guerra, voltou a funcionar normalmente. Mas, em função da saída dos jovens para estudar fora, começou a faltar aluno. E até hoje a gente vê nas escolas japonesas uma carência de alunos. Tem uma dificuldade, temos até que estimular para que voltem a estudar”, enfatizou Katsutani.
O prédio vai passar por revitalização, onde há o projeto de instalar no local um pequeno museu sobre o Shokonsai. Uma parte já é usada como cozinha. Voluntários também estão recuperando móveis das décadas de 20, 30 e 40 do século passado para preservar a história.
Primeira escola construída pelo imigrantes japoneses em Álvares Machado fica no espaço junto ao Cemitério Japonês — Foto: Kaito Lomartire/TV Fronteira
Móveis usados na escola japonesa, em Álvares Machado, estão sendo restaurados — Foto: Kaito Lomartire/TV Fronteira
O palco
Palco do Shokonsai também foi tombado como patrimônio histórico — Foto: Heloise Hamada/G1
Não existe uma data certa da construção do palco. Porém, conforme Eli Tatizawa, na “década de 60 ele já era velho”. Ela acredita que a estrutura tenha sido feita nos anos 30. O cemitério, a escola e o palco foram tombados como patrimônio histórico. “A cultura japonesa sempre esteve ligada com as apresentações de dança, música, teatro. E o palco simboliza isso”, falou ao G1.
Com o início do culto aos antepassados, em 1920, o espaço próximo à escola passou a ter festa. Com o nome de Shokonsai, o evento passou a ter caráter de festival. Com o tempo e as proibições já citadas, sobrou apenas o palco, que foi desativado há apenas três anos.
“É um símbolo importantíssimo. Se a gente for pensar, são três coisas importantes: o ensino, a cultura tradicional japonesa e o culto aos antepassados. São os três valores mais importantes aos japoneses”, explicou Eli.
Agora, as apresentações culturais são feitas em uma estrutura montada na frente do palco original.
Ritual das velas do Shokonsai envolve histórias e mistérios em Álvares Machado
Palco do Shokonsai também foi tombado como patrimônio histórico — Foto: Heloise Hamada/G1
Centenário do Shokonsai
Cemitério Japonês em Álvares Machado — Foto: Heloise Hamada/G1
A tão esperada festa dos 100 anos precisou ser cancelada por causa da pandemia da Covid-19. Toda programação festiva, inclusive a inauguração do Parque das Cerejeiras, que era algo específico para o centenário, vai ficar para o ano que vem.
Somente o ritual das velas, às 17h, será mantido neste domingo (12). Porém, com restrições. Somente jovens que pertencem à Aceam vão participar do ato, que será fechado aos visitantes.
Ritual das velas á o ápice do Shokonsai — Foto: Stephanie Fonseca/G1