Na última década, o Japão atingiu a impressionante marca de 30 mil mortes anuais por suicídio, se tornando a terceira maior taxa, ficando atrás da Hungria e da Coreia do Sul.
Antigamente, os homens de meia-idade costumavam ser o grupo de maior risco de suicídio no país, mas perdeu lugar para os idosos e jovens ao longo dos anos.
Depressão, bullying escolar, ansiedade financeira e o excesso de trabalho têm sido apenas alguns dos motivos. O suicídio por excesso de trabalho, chamado popularmente de karo jisatsu, surgiu da necessidade de a comunidade japonesa se manter em seus empregos por meio de mais horas extras, tirando cada vez menos férias e evitando qualquer tipo de falta, até mesmo quando o problema é doença. Esse índice de mortalidade ocupacional atinge mais os funcionários de fábricas e os que trabalham em escritórios devido à sobrecarga física e emocional causada pela falta de saúde laboral, destruindo laços familiares e criando animosidade social.
A raiz do problema
Ao longo de mais de 100 anos, o Japão romantizou e normalizou o suicídio. Muitos enxergavam o ato como uma prática de livre-arbítrio e uma maneira de criar significado por meio da própria morte. Os jornais e até mesmo a literatura popular descreviam que os atos suicidas eram uma maneira de as pessoas assumirem as responsabilidades por suas ações ou até mesmo protestar contra a injustiça social.
Por outro lado, estudos indicaram que a raiz do problema que leva ao suicídio tem sido a relação da depressão com a pressão social japonesa. Não foi fácil para o governo perceber que a necessidade das pessoas de se encaixarem nas regras e nos padrões impostos pelos costumes japoneses, que delimitam a estrutura social de toda uma cultura, tem sido a maior fração de mortes no país.
O medo de errar, de ser ridicularizado ou até mesmo de ser rechaçado pelos seus atos cresceu em adolescentes, tornando-os adultos com graves problemas de autossuficiência e falta de autoestima positiva. A depressão, então, torna-se a parada final antes do suicídio, uma vez que as ideias românticas e idealistas prevalecem contra o problema de saúde pública.
No entanto, depois que os índices de óbitos por suicídio atingiram níveis ainda mais alarmantes, causando consequências econômicas, políticas e sociais, nasceu uma incomum parceria entre o governo e a psiquiatria para enfrentar esse problema social, que até originou uma lei preventiva contra o suicídio em 2006.
Encontrando significado em meio ao caos
No final da década de 1990, devido a essa cultura social de pressão, surgiu um fenômeno chamado de hikikomori, que significa algo como “estar confinado”, em tradução livre. Ele é caracterizado como um retraimento social agudo em que adolescentes e adultos, entre 15 e 39 anos, geralmente das classes média e média-alta, não mantêm contato social, exceto alguma comunicação com a própria família.
Em 2010, um pesquisa erguida pelo governo do Japão estimou que aproximadamente 700 mil pessoas viviam em situação de hikikomori. Já em 2016, esse número caiu para 540 mil pessoas, cerca de 1,57% da população do país. Contudo, as entidades públicas acreditam que esse índice seja ainda maior pelo fato de que muitas dessas pessoas preferem manter o anonimato.
Isolados em suas casas ou quartos, esses cidadãos não têm nenhuma condição física que os impede de estar na sociedade, eles “apenas” apresentam essa falta de vontade, que os faz entrar para as estatísticas de depressão que levam ao suicídio causado pela pressão de se enquadrarem às normas sociais.
Ainda assim, pesquisadores e psicólogos definiram esse fenômeno como uma extrema ansiedade social, que se assemelha muito mais a uma condição patológica. A maioria dos entrevistados que vivem em hikikomori demonstraram um alto nível de sofrimento psicológico e angústia sob a mera possibilidade de abandonar esse estilo de vida.
Internet: amiga ou inimiga?
Ainda existem extensas pesquisas acerca do impacto que a internet, as redes sociais e os videogames possuem dentro do fenômeno hikikomori. Muitos acreditam que esses fatores são facilitadores para o agravamento da condição.
Todavia, a influência desses aspectos se tornou um problema para a considerada “nova geração” de enclausurados, visto que não existia internet em outros tempos. Cerca de 26% dos adolescentes de Hong Kong (Japão) são considerados viciados em internet, em contraste com cerca de 1% dos que são adeptos ao hikikomori. A idade também é diferente: a dependência virtual dos “sociais” acontece no início da adolescência, enquanto que para os reclusos ocorre no final dela, exatamente pela necessidade de enxergarem um recorte social do mundo além das paredes de onde eles resolveram se confinar.
Para Takahiro Kato, professor psiquiatra da Universidade Kyushu, os videogames e as mídias sociais reduziram vertiginosamente o tempo em que as pessoas passam fora e em ambientes sociais, o que poderia ser uma espécie de “porta” para a adesão do hikikomori. Em resumo, com celulares em mãos e tantos serviços à disposição é possível trabalhar, pedir comida, comprar roupas, pagar contas e tudo o mais só com um comando, sem precisar ter mais contato com ninguém, tampouco levantar de sua cama ou cadeira. Isso é basicamente o que a maioria dos hikikomoris estão fazendo.
Por outro lado, foi cientificamente comprovado que a internet tem ajudado muitos hikikomoris a enfrentar essa angústia social ao promover o contato com outras pessoas que possuem o mesmo estilo de vida ou interesses em comum. Além de que é a única maneira de fazê-los interagir com agentes de saúde empenhados em solucionar esse problema.
Novo Começo
Com o intuito de trazer os hikikomoris para o meio social, nasceu no Japão a Novo Começo. Os pais investem cerca de US$ 8 mil por ano para que profissionais entrem em contato com seus filhos em situação de isolamento para tentar fazê-los se comunicar.
“Quanto mais tempo os hikikomoris permanecem separados da sociedade, mais conscientes eles se tornam de seu fracasso social”, declarou ao National Geographic a fotógrafa Maika Elan, responsável por fotografar a situação de isolamento das pessoas no Japão. “Eles perdem qualquer autoestima e confiança que tinham, e as perspectiva de sair de casa se torna cada vez mais assustadora. Trancar-se no quarto faz com que se sintam seguros”.
Geralmente, o processo começa por meio do envio de cartas, depois evolui para a comunicação via internet, então por telefone até que a pessoa tenha confiança o suficiente para estabelecer um contato físico com o profissional. Isso tudo pode levar muitos meses.
O objetivo final é conduzir essas pessoas até o centro de convívio da Novo Começo, onde eles possam participar de um programa de formação profissional, acompanhamento psicológico e reestruturação da realidade.
O fenômeno hikikomori não é mais considerado um problema social apenas do Japão, uma vez que já se espalhou de forma pandêmica para várias partes do mundo. Só na Coreia do Sul, estima-se que 33 mil jovens se isolaram socialmente. Na América do Norte e em países da Europa, como na França e na Itália, também já registram números bem expressivos de hikikomori, que precisam ser levados mais em consideração.